O Nome Que Não Deve Ser Invocado

No deserto além das fronteiras de Kush, onde nem os escaravelhos ousavam rastejar, existia uma ruína tão antiga que nem mesmo os escribas ousavam escrever sobre ela. Um templo esquecido, afundado na areia como um segredo enterrado pelos próprios deuses.

Lucien chegou a esse lugar guiado por nada além de sonhos febris e visões partidas — vultos que falavam em idiomas mortos, rostos de ossos que choravam fogo. Seu corpo ainda era o de um miserável, mas sua alma... estava em convulsão.

Desde que tocara o homem no mercado, ele sentia algo crescendo em seu interior. Como uma segunda pele. Como um parasita que aprendia a ser coração.

Dentro do templo, o ar era grosso como o lodo dos rios mortos. Estátuas partidas observavam-no com olhos vazios. Símbolos que jamais vira antes cobriam as paredes — espirais que giravam sozinhas, nomes escritos de trás para frente, e formas que pareciam se mover quando ele desviava o olhar.

E no centro... um trono feito de crânios e ossos negros.

Lucien se aproximou, hesitante. Não sabia por que estava ali. Mas também não sabia por que ainda vivia. Tudo em sua vida até então fora miséria e vazio — agora, ao menos, havia silêncio com propósito.

Quando tocou o trono, uma luz púrpura se acendeu sob seus pés. Era um círculo mágico, antigo demais para ser compreendido, mas não para ser sentido.

As paredes tremularam. Vozes sussurraram.

E uma única palavra ecoou no salão:

"Mal'kareth."

Lucien caiu de joelhos. Aquela palavra não era apenas som — era peso. Era como se cada letra tivesse a força de mil condenações. Sua mente gritou, seu sangue ferveu, e seus ossos pareceram querer sair de seu corpo.

— Quem... é Mal'kareth? — murmurou, entre dentes quebrados.

Uma risada ressoou nas profundezas. Não humana. Nem divina. Algo além da linguagem.

“Aquele que os deuses enterraram sob sete nomes.”

A voz surgiu do próprio trono. As caveiras se moveram, formando lentamente um rosto distorcido, que o encarou com olhos ocos.

“Você ousou falar o nome.”

Lucien tentou recuar, mas não havia para onde correr. O círculo púrpura brilhava com intensidade. E a voz se tornava mais íntima... mais próxima.

“Você é o primeiro vivo a me chamar em milênios.”

— Eu não... chamei...

“Mas você desejou.”

“E desejo é o idioma do abismo.”

Lucien sentiu algo romper dentro de si. Como se uma porta tivesse sido aberta — e dela saíssem coisas que jamais deveriam ter nomes.

A caveira riu.

“Seu nome foi escrito na carne do mundo, Lucien de Kush. O mais fraco.”

O trono estremeceu, e então... tudo silenciou.

No instante seguinte, Lucien estava deitado na areia fora do templo. O sol havia desaparecido. A noite era espessa e sem estrelas. Ele estava sozinho, mas algo o acompanhava.

Ele olhou para suas mãos. Elas estavam marcadas com símbolos. Linhas negras atravessavam seus pulsos como raízes. Ao tocar o chão, a areia tremia. Não por força física... mas por algo que desafiava explicação.

Foi então que percebeu: não sentia mais fome. Nem frio. Nem dor.

Algo havia sido dado a ele. Ou... emprestado.

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Naquela mesma noite, longe dali, nas catedrais douradas do Reino Sagrado de Heliópolis — um território completamente regido pela fé católica — os sinos dobraram sozinhos.

Os monges correram às torres, assustados. Não havia vento. Não havia mãos humanas. Mas os sinos... soavam como trombetas de juízo.

No centro da capital, diante da Basílica Escarlate, uma única figura surgiu, envolta em um manto branco manchado de sangue seco. Ele andava com passos serenos, mas o chão sob seus pés florescia.

Seus olhos eram azuis como o céu da manhã. Seus cabelos, dourados como o trigo das colinas.

— Ele voltou — disseram os arcebispos, ajoelhando-se. — O Redentor dos Céus caminha entre nós.

Aldric não disse uma palavra. Olhou para o horizonte, como se pudesse enxergar além dos continentes. E então, falou:

— O Selo foi quebrado. Aquele que não devia ser acordado... despertou.

O Cardeal-Mor hesitou:

— O… O Nome que Não Deve Ser Invocado?

Aldric assentiu lentamente.

— Mal'kareth encontrou um receptáculo. Alguém suficientemente vazio para se tornar inteiro.

— Um demônio?

— Pior. Um homem que não tem lugar no plano dos vivos… nem dos mortos.

Os padres estremeceram. Cruzaram-se. Alguns choraram.

— Que faremos, Redentor?

Aldric apertou o punho. Luz emergiu entre seus dedos.

— Partiremos para Kush ao amanhecer. Antes que o abismo ande com pernas humanas.

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Lucien, sem saber que já era caçado, levantou-se diante das areias da noite e encarou o céu sem estrelas.

— Mal'kareth... — sussurrou de novo, e a própria areia ao redor estremeceu.

Ele não sabia o que aquilo significava.

Mas sabia de uma coisa: o mundo o ignorou por toda sua vida.

Agora, o mundo inteiro o notaria.

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