A Primeira Maldição de Lucien

Lucien não sentia mais o tempo.

Desde que tocara a pedra pulsante, as horas perderam seu formato. Dormir tornou-se desnecessário. Comer, uma lembrança remota. Seu corpo havia se tornado recipiente — e a substância que o preenchia não era carne, sangue ou alma. Era abismo condensado.

Ele vagava pelas areias de Kush como um espectro, suas pegadas desaparecendo atrás de si como se o mundo se recusasse a registrar sua presença. Onde passava, a temperatura caía. Pequenas criaturas do deserto morriam ao se aproximar demais.

O Primeiro Esquecido andava ao seu lado, sempre em silêncio. Apenas observando.

Lucien, porém, começava a sentir... ânsia. Um desejo crescente, doente, violento — como se algo dentro dele quisesse sair. Algo antigo. Algo nomeado.

— Está começando — disse o Esquecido, pela primeira vez em três dias.

— O quê?

— A primeira maldição.

Lucien parou. Seu braço, agora completamente enegrecido pelas raízes vivas, latejava. As veias brilhavam em tons púrpura. Seu coração batia com o som de um sino funerário.

— O que é essa... maldição?

— É sua alma tentando se adaptar ao novo inquilino.

Lucien arregalou os olhos.

— Eu ainda tenho alma?

O Esquecido sorriu, enigmático.

— Por enquanto.

Na aldeia de Dár’Zem, uma pequena comunidade ao sul de Kush, o dia começava normalmente. Pastores guiavam rebanhos pelas dunas, crianças jogavam pedras em serpentes, mulheres entoavam cânticos para Ísis nas portas de suas casas.

Até que o ar se partiu como vidro.

Lucien surgiu entre os ventos, olhos vazios, corpo coberto por sombras que dançavam. As pessoas o encararam por um segundo… antes de começar o pânico.

Gritos. Correria. Choro.

Mas nenhum som chegava até ele. O mundo parecia distante, afogado em névoa.

Lucien caminhou em direção ao templo central da aldeia. Um local simples, mas puro, com um altar dedicado a Hórus. O sacerdote local, um velho cego chamado Metrakis, foi o único que não correu.

— Eu senti você antes de vê-lo — disse o velho, ajoelhado. — Você carrega algo que não pertence a este mundo.

Lucien parou diante dele. A estátua de Hórus rachou pelas asas.

— Eu não sei o que sou — confessou. — Mas sei que algo em mim... quer sair.

— Então libere.

O velho não pediu misericórdia. Apenas aceitação.

Lucien estendeu o braço. As marcas pulsaram. Do centro de sua mão, algo emergiu — uma espécie de fumaça negra viva, com olhos flamejantes e forma mutável.

E então, ele falou.

Uma única palavra, vinda da língua de Mal’kareth:

“Khalazar.”

O templo tremeu. A fumaça rugiu. E a terra se abriu sob os pés de Metrakis, tragando-o como se nunca tivesse existido.

A aldeia inteira foi silenciada. As casas afundaram. O altar explodiu em mil fragmentos dourados. Tudo ao redor virou ruína.

Quando a poeira assentou, Lucien estava sozinho no centro de uma cratera.

Ele não sorriu.

Não chorou.

Apenas caiu de joelhos, exausto.

O Primeiro Esquecido apareceu entre os escombros, sem olhar para a destruição.

— Você pronunciou o primeiro Nome. A Primeira Maldição é sempre fome.

— Eu não queria isso — disse Lucien, a voz quebrada.

— Mas você precisava.

— Eu matei uma aldeia inteira.

— Não. Mal’kareth alimentou-se. Você apenas abriu a boca.

Lucien socou o chão.

— Então é isso que sou? Um canal?

— Você é o que quiser ser. Mas se negar o poder... o poder encontrará outro.

Do outro lado do continente, no altar de mármore da Catedral do Sangue em Heliópolis, Aldric ajoelhava diante de um mapa do mundo. Luzes marcavam pontos de energia — sinais espirituais que os arcanistas estudavam há séculos.

Uma nova luz surgira.

Negra.

Crescente.

Voraz.

O Cardeal-Mor apontou com o dedo trêmulo.

— Dár’Zem... foi apagada do mapa. Não sobrou nem poeira.

Aldric fechou os olhos.

— Ele falou o Nome?

— Um nome esquecido há mais de dez milênios.

— Então o tempo acabou.

Levantou-se. Pegou sua espada selada — uma lâmina branca como os céus — e um pergaminho com um selo papal.

— De hoje em diante, Lucien de Kush está excomungado pelos Céus.

— O que isso significa? — perguntou um dos noviços.

Aldric olhou para todos à sua volta. Seus olhos, tão pacíficos até então, agora queimavam como julgamento.

— Significa que não haverá piedade.

Lucien olhava para os próprios braços, que agora brilhavam com cicatrizes vivas. Ele havia cruzado um limite. Um sem volta.

Mas não sentia arrependimento.

Só um pensamento ecoava em sua mente:

Se o céu me rejeita, eu o rasgarei.

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