Capítulo 8 – Coisas que se aquecem no forno e no peito

O sábado amanheceu chuvoso, mas calmo.

David passou a manhã regando as plantas, limpando a estante e ouvindo uma playlist instrumental que achara sem querer.

Uma sensação diferente pairava no corpo: ele ia sair à noite. E não por obrigação.

Comprou duas garrafas de refrigerante no mercado da esquina. Pensou em levar uma sobremesa também, mas se perdeu nos corredores e acabou escolhendo algo simples — sorvete de flocos.

> “Não sei se combina com pizza, mas combina comigo”, pensou.

Chegou na casa de Clara às oito em ponto.

O prédio era pequeno, sem portaria, e o apartamento ficava no segundo andar. A porta estava entreaberta, com uma luz amarela suave escapando pelo vão.

— Pode entrar! — gritou Clara de dentro.

David entrou devagar. O cheiro de orégano e massa assando preencheu o ar. A sala era aconchegante, com quadros pequenos, livros espalhados e um gato dormindo no canto do sofá.

— Seja bem-vindo ao meu universo particular — disse Clara, saindo da cozinha com uma espátula na mão e o cabelo preso num coque bagunçado.

— Tá cheirando bem.

— Tá quase pronto. O Lucas já tá aí embaixo, disse que subia em dois minutos. Trouxe refrigerante?

David ergueu as garrafas como troféus.

— E sorvete.

— Amei.

Lucas chegou logo depois, já fazendo piada com a decoração da Clara ("você coleciona xícaras ou adota elas?") e mexendo na playlist do celular.

Jantaram com as pizzas abertas na mesa de centro, pratos no colo, copos diferentes para cada um. O clima era leve, quase íntimo.

Falaram sobre trabalho, sobre infância, sobre comidas estranhas que já comeram por engano.

David riu mais do que esperava.

— Uma vez eu comi sabonete pensando que era bala de coco — confessou Lucas.

— Isso explica muito sobre você — respondeu Clara.

David sorriu sem tentar esconder.

No meio da noite, Clara colocou uma música antiga para tocar. O gato pulou no colo de David, e ele ficou ali, com a mão afagando o pelo, sem perceber o tempo passando.

— Faz tempo que você tem esse gato? — ele perguntou.

— Desde que saí da casa dos meus pais. Ele foi o primeiro “eu consigo cuidar de algo” da minha vida.

David olhou para o gato. Depois para as plantas na janela.

— A minha é uma samambaia.

— Isso diz muito sobre você — disse Clara, com doçura.

> E por um instante, David quis guardar aquele momento inteiro num pote de vidro.

O riso de Clara, a voz baixa de Lucas, o cheiro da pizza, o gato adormecido, o som da chuva no vidro.

Era tudo tão simples.

Tão... certo.

Na hora de ir embora, Clara o abraçou de leve.

— Você é bem-vindo sempre que quiser. E mesmo quando não quiser também.

Lucas deu um soquinho no ombro de David.

— Próxima é na sua casa.

David fingiu não ouvir, mas o sorriso entregou que ele não recusava a ideia.

Caminhou de volta pra casa sob uma chuva fina.

> E pensou que talvez, só talvez... ele estivesse se permitindo ser feliz.