O sábado amanheceu chuvoso, mas calmo.
David passou a manhã regando as plantas, limpando a estante e ouvindo uma playlist instrumental que achara sem querer.
Uma sensação diferente pairava no corpo: ele ia sair à noite. E não por obrigação.
Comprou duas garrafas de refrigerante no mercado da esquina. Pensou em levar uma sobremesa também, mas se perdeu nos corredores e acabou escolhendo algo simples — sorvete de flocos.
> “Não sei se combina com pizza, mas combina comigo”, pensou.
Chegou na casa de Clara às oito em ponto.
O prédio era pequeno, sem portaria, e o apartamento ficava no segundo andar. A porta estava entreaberta, com uma luz amarela suave escapando pelo vão.
— Pode entrar! — gritou Clara de dentro.
David entrou devagar. O cheiro de orégano e massa assando preencheu o ar. A sala era aconchegante, com quadros pequenos, livros espalhados e um gato dormindo no canto do sofá.
— Seja bem-vindo ao meu universo particular — disse Clara, saindo da cozinha com uma espátula na mão e o cabelo preso num coque bagunçado.
— Tá cheirando bem.
— Tá quase pronto. O Lucas já tá aí embaixo, disse que subia em dois minutos. Trouxe refrigerante?
David ergueu as garrafas como troféus.
— E sorvete.
— Amei.
Lucas chegou logo depois, já fazendo piada com a decoração da Clara ("você coleciona xícaras ou adota elas?") e mexendo na playlist do celular.
Jantaram com as pizzas abertas na mesa de centro, pratos no colo, copos diferentes para cada um. O clima era leve, quase íntimo.
Falaram sobre trabalho, sobre infância, sobre comidas estranhas que já comeram por engano.
David riu mais do que esperava.
— Uma vez eu comi sabonete pensando que era bala de coco — confessou Lucas.
— Isso explica muito sobre você — respondeu Clara.
David sorriu sem tentar esconder.
No meio da noite, Clara colocou uma música antiga para tocar. O gato pulou no colo de David, e ele ficou ali, com a mão afagando o pelo, sem perceber o tempo passando.
— Faz tempo que você tem esse gato? — ele perguntou.
— Desde que saí da casa dos meus pais. Ele foi o primeiro “eu consigo cuidar de algo” da minha vida.
David olhou para o gato. Depois para as plantas na janela.
— A minha é uma samambaia.
— Isso diz muito sobre você — disse Clara, com doçura.
> E por um instante, David quis guardar aquele momento inteiro num pote de vidro.
O riso de Clara, a voz baixa de Lucas, o cheiro da pizza, o gato adormecido, o som da chuva no vidro.
Era tudo tão simples.
Tão... certo.
Na hora de ir embora, Clara o abraçou de leve.
— Você é bem-vindo sempre que quiser. E mesmo quando não quiser também.
Lucas deu um soquinho no ombro de David.
— Próxima é na sua casa.
David fingiu não ouvir, mas o sorriso entregou que ele não recusava a ideia.
Caminhou de volta pra casa sob uma chuva fina.
> E pensou que talvez, só talvez... ele estivesse se permitindo ser feliz.