Capítulo 10 – O que fica mesmo depois que passa

Era fim de tarde quando David encontrou a caixa.

Estava reorganizando a prateleira da estante, procurando um lugar melhor para a samambaia que crescera mais rápido do que ele esperava, quando viu, enfiada entre livros antigos e papéis dobrados, uma caixa de papelão com fita gasta nas bordas.

Não se lembrava da última vez que a abrira.

Sentou-se no chão, de pernas cruzadas, e abriu com cuidado.

Dentro, coisas esquecidas: uma medalha de corrida escolar, um chaveiro que ganhara de um dos irmãos, uma carta amarelada que ele mesmo escrevera e nunca enviara.

E, por baixo de tudo, uma foto amassada.

Era ele com os irmãos, no quintal da casa do pai.

Todos pequenos. Todos rindo.

E ao fundo, seu pai em pé, expressão séria, mas com os olhos… quentes.

David passou os dedos sobre o papel.

Respirou fundo.

E ali, sentado no chão da própria casa, sentiu a lembrança engolir o presente por um instante.

A chuva caía lá fora, e a memória veio com ela.

> O chão molhado da varanda. O pai chamando para pegar as roupas do varal.

O cheiro de álcool misturado ao amaciante.

O som da porta batendo com força.

E ele, com oito anos, tentando manter tudo em ordem.

Segurando o irmão no colo, respondendo lição de casa, lavando louça.

Pensando: “se eu fizer tudo certo, ninguém vai brigar.”

Aos dez, já sabia como esconder o choro.

Aos doze, já pedia silêncio com os olhos.

Aos quatorze, já tinha esquecido como era ser criança.

Ele segurou a foto com mais força.

Depois a colocou sobre a mesa.

Levantou-se, foi até a cozinha, ligou o fogo.

Colocou água para o café. Não para distrair — para acolher.

Enquanto esperava ferver, escreveu no bloco de notas:

> “Tem lembranças que doem sem avisar.

Elas não batem na porta.

Elas têm cópia da chave.”

Tomou o café em silêncio.

Olhou pela janela.

A cidade seguia lá fora, apressada. Mas por dentro, ele estava parado. Ainda era o menino do quintal por um instante.

Quando a chuva cessou, pegou a foto da mesa e colocou dentro de um envelope novo.

Guardou na gaveta mais funda.

> Não para esquecer.

Mas porque algumas dores a gente não precisa ver sempre pra lembrar que elas ainda estão ali.