Capítulo 11 – O que reaparece sem ser chamado

Era uma quarta-feira comum.

David saíra para comprar pão no fim da tarde, distraído com fones de ouvido e uma leve dor nas costas que insistia em visitá-lo nos dias mais nublados.

A fila da padaria estava longa. Ele pegou o celular e começou a responder algumas mensagens atrasadas de Clara e Lucas.

Quando finalmente avançou para o balcão, ouviu uma voz atrás dele — familiar demais.

— David?

O tempo congelou por um instante.

A voz era a mesma, mas mais grave. O tom, igual ao das tardes de infância.

Virou-se devagar.

Daniel.

Estava ali. Cabelos mais curtos, barba por fazer, uma expressão que mesclava surpresa e um leve constrangimento.

Carregava uma criança nos ombros — devia ter uns quatro anos, olhos castanhos vivos e uma risada solta.

David sorriu de leve, contido.

— Oi, Daniel.

— Cara… faz quanto tempo?

— Uns nove anos, talvez.

— Caramba… você tá igual. Só menos magricelo.

David riu com um canto da boca.

— E você tá mais pai de família do que eu imaginava.

Daniel sorriu, ajeitando a criança nas costas.

— Esse aqui é o João. Meu filho mais velho.

— Prazer, João — disse David, acenando.

A criança sorriu e se escondeu no ombro do pai.

Daniel abaixou um pouco o tom.

— Desculpa aparecer assim. Eu... reconheci você de costas. Foi estranho, tipo... um filme voltando.

— Também senti. Mas tô bem. E você?

Daniel hesitou.

— Tô... levando. Vida corrida. Casado, dois filhos. Você sabe como é. Quer dizer... talvez não saiba. — Ele riu, meio sem jeito.

David não se incomodou. Apenas olhou com gentileza.

— Tô bem também.

A atendente os chamou. Pediram os pães quase ao mesmo tempo.

Quando saíram da padaria, caminharam lado a lado por alguns metros.

— Você mora por aqui? — perguntou Daniel.

— Sim. Sozinho.

— Legal. Eu tô na casa dos meus sogros por enquanto. A gente se mudou pra cá faz uns meses.

David assentiu.

A conversa parecia se esgotar, mas os dois não queriam quebrá-la com um "tchau" tão seco.

Daniel arriscou:

— Você... lembra das noites que a gente ficava sentado na calçada até tarde? Contando história de terror e morrendo de medo de olhar pra trás?

David riu com mais força agora.

— Claro. Você inventava umas histórias absurdas só pra me assustar. E depois dizia que ouvia passos quando ninguém tava passando.

— E você ainda me fazia companhia mesmo assim. Isso que era amizade.

Ficaram em silêncio mais um pouco.

Até que Daniel estendeu a mão.

— Foi bom te ver, de verdade.

— Também achei.

— Se quiser tomar um café um dia... a gente se atualiza melhor.

David assentiu, mas não prometeu.

Apenas sorriu.

Daniel se afastou com o filho no colo.

David ficou parado por alguns segundos, olhando o céu que escurecia devagar.

Não doeu.

Mas mexeu.

Como reencontrar um livro que já leu inteiro e lembrar da parte em que você quase chorou — mas não chorou.

Porque hoje... já é outro leitor.