Capítulo 12 – As coisas que voltam, e as que ficam

David passou o resto da noite quieto.

Não triste — só... em suspensão.

Deixou o pão na mesa, tirou os sapatos e sentou-se no sofá com a luz apagada.

Do lado de fora, os faróis dos carros piscavam nas paredes como fantasmas modernos.

Na mente, o rosto de Daniel.

Não era saudade.

Não era desejo.

Era um reconhecimento profundo — como reencontrar uma versão antiga de si mesmo, viva nos olhos de outro.

> “Você ainda me fazia companhia mesmo assim. Isso que era amizade.”

David lembrou da calçada da casa do pai.

Das noites frias, dos dois sentados no cimento, contando histórias assustadoras e fingindo que não tinham medo.

E depois, entrando devagar para não acordar os irmãos, rindo baixinho como se o riso fosse proibido.

Pegou o caderno no armário. Aquele de capa preta que quase nunca usava, exceto quando algo realmente precisava sair.

Escreveu:

> “Hoje vi um espelho antigo andando pela rua.

Ele ainda me reconheceu, mesmo com os cacos colados de outro jeito.

E eu também o reconheci.

Mas não senti vontade de me ver ali.”

Fechou o caderno.

Respirou fundo.

No dia seguinte, foi até a pequena floricultura do bairro.

Comprou duas mudas de lavanda e uma de manjericão.

Quando voltou, foi direto até a casa de dona Irene.

Ela abriu com seu sorriso habitual e um pano de prato no ombro.

— Achei que ia demorar mais a voltar.

— Achei que ia demorar mais a precisar.

Ela entendeu sem perguntar.

Sentaram-se no quintal, entre os vasos e os passarinhos.

— Revi um amigo antigo ontem — disse ele, depois de um tempo.

— Antigo como?

— Daqueles que sabiam da minha vida antes de eu saber dela.

Ela sorriu.

— E o que ele te trouxe?

— Um espelho. Mas eu não quis entrar de novo na imagem.

— Então você tá pronto pra construir uma nova — disse dona Irene, regando uma planta com paciência.

David assentiu.

E naquele momento, sem perceber, a imagem dentro dele começou a mudar.