A chuva cessou perto do meio-dia. David saiu da agência e foi até a padaria da esquina. O mesmo pedido de sempre: pão de queijo e chá de hortelã. O atendente já sabia.
Sentou-se perto da janela. Ficou observando o movimento da rua.
Um menino e uma mulher passavam apressados, dividindo um guarda-chuva. O menino tinha uns seis anos, talvez menos.
E, de repente, David não estava mais ali.
> Estava no passado, com a mão da mãe apertando a sua, debaixo da chuva.
Os irmãos molhados. A mochila escorrendo. O pai gritando ao longe.
E a porta de um carro esperando no outro lado da rua.
— A gente vai voltar? — ele havia perguntado.
A mãe não respondeu. Só andou mais rápido.
O sino da padaria o trouxe de volta. Seu pão de queijo estava pronto.
Sentou-se num canto mais reservado. Comeu devagar. O gosto era bom, mas a garganta parecia mais estreita.
Pegou o celular. Abriu o bloco de notas. Leu frases que deixava ali quando não sabia para quem dizer.
> “Me tornei bom em cuidar dos outros. Mas e se eu também precisasse de cuidado?”
“Tem dias em que só o cheiro do café segura tudo no lugar.”
“Quase tudo que me machuca vem do que eu não digo.”
Na volta para a agência, Clara não estava. Um post-it rosa em seu monitor dizia:
> “Precisei sair mais cedo. Cuidado com os clientes indecisos ;)”
David sorriu. Um sorriso manso. Curto. Mas verdadeiro.
Naquela tarde, trabalhou no automático. Mas sentia algo mexendo por dentro — leve, incômodo, quase imperceptível.
Na saída, a cidade respirava devagar. O ônibus parou com um solavanco. Uma senhora tropeçou, e David a segurou pelo braço.
— Tá tudo bem? — perguntou.
Ela assentiu com um sorriso cansado.
> E David ficou com a sensação de que a pergunta não era só pra ela.