Capítulo 2 – Guarda-chuvas que não protegem da memória

A chuva cessou perto do meio-dia. David saiu da agência e foi até a padaria da esquina. O mesmo pedido de sempre: pão de queijo e chá de hortelã. O atendente já sabia.

Sentou-se perto da janela. Ficou observando o movimento da rua.

Um menino e uma mulher passavam apressados, dividindo um guarda-chuva. O menino tinha uns seis anos, talvez menos.

E, de repente, David não estava mais ali.

> Estava no passado, com a mão da mãe apertando a sua, debaixo da chuva.

Os irmãos molhados. A mochila escorrendo. O pai gritando ao longe.

E a porta de um carro esperando no outro lado da rua.

— A gente vai voltar? — ele havia perguntado.

A mãe não respondeu. Só andou mais rápido.

O sino da padaria o trouxe de volta. Seu pão de queijo estava pronto.

Sentou-se num canto mais reservado. Comeu devagar. O gosto era bom, mas a garganta parecia mais estreita.

Pegou o celular. Abriu o bloco de notas. Leu frases que deixava ali quando não sabia para quem dizer.

> “Me tornei bom em cuidar dos outros. Mas e se eu também precisasse de cuidado?”

“Tem dias em que só o cheiro do café segura tudo no lugar.”

“Quase tudo que me machuca vem do que eu não digo.”

Na volta para a agência, Clara não estava. Um post-it rosa em seu monitor dizia:

> “Precisei sair mais cedo. Cuidado com os clientes indecisos ;)”

David sorriu. Um sorriso manso. Curto. Mas verdadeiro.

Naquela tarde, trabalhou no automático. Mas sentia algo mexendo por dentro — leve, incômodo, quase imperceptível.

Na saída, a cidade respirava devagar. O ônibus parou com um solavanco. Uma senhora tropeçou, e David a segurou pelo braço.

— Tá tudo bem? — perguntou.

Ela assentiu com um sorriso cansado.

> E David ficou com a sensação de que a pergunta não era só pra ela.