— Ai, obrigada, meu filho — respondeu ela, rindo com nervosismo. — Esses ônibus parecem que querem nos jogar fora.
David olhou para as duas sacolas pesadas nas mãos dela. Pareciam de feira — verduras, talvez algumas raízes, o volume irregular.
— Vai descer aqui? — ele perguntou.
— É... uma quadra e meia pra cima.
Houve um breve silêncio. Então ele completou:
— Posso te ajudar com as sacolas, se quiser.
A senhora o encarou por um segundo. Não com desconfiança — com surpresa. Como quem encontra gentileza onde já não esperava mais.
— Não vai te atrapalhar?
David apenas negou com a cabeça.
— Tenho tempo.
Desceram juntos. A calçada ainda estava molhada da chuva da manhã, e a senhora — dona Irene, como logo se apresentou — andava devagar, com passos curtos e firmes.
— Faz tempo que não aceito ajuda de ninguém — ela comentou. — Mas confiei no seu olhar.
David sorriu de leve.
— Às vezes, o olhar fala mais que a boca.
— Isso é verdade. Você tem cara de quem escuta.
Ele apenas assentiu.
O caminho até a casa dela era simples, arborizado, com poucas casas geminadas. Uma delas tinha um portão de ferro antigo e samambaias penduradas. Irene abriu o portão com a chave escondida na bolsa e empurrou devagar com o ombro.
— Quer entrar pra tomar uma água?
— Não precisa — disse David, educadamente. — Já ajudou bastante só me deixando carregar.
Ela riu.
— Você é desses raros, né? Os que ajudam e depois somem. Mas eu sou teimosa: não deixo sumirem fácil assim.
David parou no degrau. Pensou em recusar outra vez, mas havia algo naquele quintal — talvez o cheiro de hortelã, talvez a madeira gasta da porta — que o fez aceitar.
— Só um copo d’água, então.
Dentro da casa, tudo era simples, limpo, quieto. Havia uma cadeira de balanço perto da janela, um rádio antigo desligado, uma chaleira sobre o fogão.
— Fico sozinha a maior parte do tempo — ela disse, servindo a água. — As netas vêm quando podem. Os vizinhos... já não são como antes.
David sentou-se à mesa sem dizer muito.
Escutava como quem aprendia.
Ela falou de quando era professora, de como adorava lírios, de que estava aprendendo a cozinhar só para um.
— Dói mais na hora de arrumar a mesa. Sempre parece que falta alguém.
David olhou para a toalha quadriculada e a jarra de vidro ao centro.
— Às vezes eu também sinto isso. Mesmo morando sozinho desde os vinte.
Ela o encarou com um sorriso manso.
— E quantos anos tem agora?
— Vinte e três.
— Muito moço pra tanta quietude.
David abaixou os olhos.
—Acho que a quietude chegou antes da idade.
Dona Irene suspirou. Depois disse:
— Passa aqui outro dia. Não precisa trazer nada. Só você já basta.
David se despediu com um aceno leve, recusando o bolo que ela insistiu em embalar.
Caminhou de volta com passos lentos, mas não pesados.
A cidade parecia mais morna.
Menos indiferente.
> Às vezes, o dia não muda porque algo acontece.
Muda porque alguém olha pra você como quem vê, sem pressa, sem pergunta.
E fica.