Capítulo 4 – O gosto das coisas que não são urgentes

Na quinta-feira, perto do meio-dia, Clara se aproximou da mesa de David com uma embalagem de comida na mão e um sorriso discreto.

— Hoje eu trouxe almoço decente. Se você estiver a fim de comer fora da agência... tem um lugar bom na praça de cima.

David olhou para a tela. Tinha ainda três layouts para revisar e um e-mail para responder.

Mas, pela primeira vez em dias, isso não pareceu urgente.

— Vamos — disse, fechando o notebook.

Subiram duas quadras até uma praça pequena, onde bancos de madeira cercavam um canteiro mal cuidado. O lugar era simples, mas quieto. Árvores faziam sombra, e o barulho do trânsito parecia mais longe.

Sentaram-se lado a lado, e Clara abriu a marmita. Cheiro de arroz com legumes e pedaços de frango grelhado escapou no ar.

— Cozinhei ontem à noite. A terapia tá mandando fazer coisas que me lembrem que eu mereço cuidado — disse, com um tom leve.

— E funcionou?

— Não sei... mas ficou gostoso.

David pegou o sanduíche que comprara no caminho e mordeu devagar.

— Isso conta como progresso, né? Almoçar fora do mesmo canto, com alguém.

— Conta sim. Você é daqueles que vai somando sem alarde.

Clara comia olhando as árvores, como se soubesse que o silêncio também era conversa.

— Posso te contar uma coisa estranha? — ela perguntou, depois de um tempo.

David assentiu.

— Às vezes eu sinto que estou sempre esperando alguma coisa acontecer. Mas não sei o quê. E nem sei se quero mesmo que aconteça.

David pensou um pouco antes de responder.

— Eu entendo.

— É?

— Eu espero que as coisas não mudem... só pra não ter que lidar com o que vem depois.

Ela riu, não de deboche, mas de identificação.

— A gente é um bom par disfuncional.

Ele sorriu.

— Talvez funcional à nossa maneira.

Terminaram de comer em silêncio. Clara guardou os potes e jogou os guardanapos na lixeira da praça. Na volta, caminharam devagar, sem pressa de voltar para as cadeiras e as telas.

Quando chegaram à porta da agência, ela disse:

— Gosto do jeito que você escuta. Parece que... não quer consertar nada. Só entende.

David respondeu com os olhos, mais do que com palavras.

— Talvez seja porque eu também não sei consertar o que é meu.

Ela não disse nada.

Apenas tocou de leve no braço dele antes de entrar.

> E naquele dia, David trabalhou em silêncio. Mas não por estar vazio.

Estava cheio. Só não queria que nada transbordasse.