Na quinta-feira, perto do meio-dia, Clara se aproximou da mesa de David com uma embalagem de comida na mão e um sorriso discreto.
— Hoje eu trouxe almoço decente. Se você estiver a fim de comer fora da agência... tem um lugar bom na praça de cima.
David olhou para a tela. Tinha ainda três layouts para revisar e um e-mail para responder.
Mas, pela primeira vez em dias, isso não pareceu urgente.
— Vamos — disse, fechando o notebook.
Subiram duas quadras até uma praça pequena, onde bancos de madeira cercavam um canteiro mal cuidado. O lugar era simples, mas quieto. Árvores faziam sombra, e o barulho do trânsito parecia mais longe.
Sentaram-se lado a lado, e Clara abriu a marmita. Cheiro de arroz com legumes e pedaços de frango grelhado escapou no ar.
— Cozinhei ontem à noite. A terapia tá mandando fazer coisas que me lembrem que eu mereço cuidado — disse, com um tom leve.
— E funcionou?
— Não sei... mas ficou gostoso.
David pegou o sanduíche que comprara no caminho e mordeu devagar.
— Isso conta como progresso, né? Almoçar fora do mesmo canto, com alguém.
— Conta sim. Você é daqueles que vai somando sem alarde.
Clara comia olhando as árvores, como se soubesse que o silêncio também era conversa.
— Posso te contar uma coisa estranha? — ela perguntou, depois de um tempo.
David assentiu.
— Às vezes eu sinto que estou sempre esperando alguma coisa acontecer. Mas não sei o quê. E nem sei se quero mesmo que aconteça.
David pensou um pouco antes de responder.
— Eu entendo.
— É?
— Eu espero que as coisas não mudem... só pra não ter que lidar com o que vem depois.
Ela riu, não de deboche, mas de identificação.
— A gente é um bom par disfuncional.
Ele sorriu.
— Talvez funcional à nossa maneira.
Terminaram de comer em silêncio. Clara guardou os potes e jogou os guardanapos na lixeira da praça. Na volta, caminharam devagar, sem pressa de voltar para as cadeiras e as telas.
Quando chegaram à porta da agência, ela disse:
— Gosto do jeito que você escuta. Parece que... não quer consertar nada. Só entende.
David respondeu com os olhos, mais do que com palavras.
— Talvez seja porque eu também não sei consertar o que é meu.
Ela não disse nada.
Apenas tocou de leve no braço dele antes de entrar.
> E naquele dia, David trabalhou em silêncio. Mas não por estar vazio.
Estava cheio. Só não queria que nada transbordasse.