Capítulo 6 – Coisas que voltam devagar

Na manhã de sábado, David acordou antes do despertador.

Não era cedo demais, nem tarde. Era o tempo certo — aquele que chega quando o corpo está em paz.

Preparou o café sem pressa. Regou as plantas da varanda. Passou a mão nas folhas do antúrio, que seguia abrindo uma nova curva verde.

Lembrou-se da samambaia de dona Irene.

E pensou: “Acho que vou passar lá.”

Vestiu uma camiseta clara, calça leve. Saiu sem avisar, como quem não espera nada, mas deseja encontrar algo que não sabe nomear.

A rua estava calma. O sol ainda filtrava pelas folhas altas.

Quando chegou ao portão, bateu palma de leve.

— Dona Irene?

A janela se abriu, e o rosto dela surgiu, iluminado pelo susto bom.

— David? Meu filho, entre. Achei que era só uma visita única. Que bom que não foi.

O portão destrancou com facilidade.

David entrou devagar.

— Pensei na senhora esses dias. Trouxe pão de queijo.

— Melhor ainda. Tenho café passado — respondeu ela, sorrindo.

Sentaram-se na cozinha. A mesa quadriculada, a jarra de vidro, tudo igual. Mas a presença de David ali dava um novo tom ao ambiente.

Silêncio confortável.

— E o trabalho? — ela perguntou.

— Tranquilo. Um pouco mecânico às vezes, mas… estável.

— Às vezes, estável é o que salva.

Tomaram o café em silêncio por um tempo.

Depois ela falou:

— Sabe, ontem olhei pro portão e me peguei esperando você passar. Isso acontece quando a gente começa a gostar da presença de alguém. A gente espera... mesmo sem marcar.

David não soube o que dizer. Mas não se encolheu.

Apenas abaixou os olhos, como quem recebe um elogio sem precisar retribuir com palavras.

— A senhora mora aqui há muito tempo? — perguntou.

— Desde que me aposentei. Era a casa da minha mãe. Depois ficou minha. Já vi muita gente ir embora dessa rua.

— E os que ficam?

— Os que ficam viram parte da paisagem. Mas, de vez em quando, aparece alguém que vira parte da casa.

Ela olhou para ele com ternura discreta.

— Acho que você é desses.

David sentiu um nó manso na garganta.

Não era dor. Era reconhecimento.

— Eu gosto daqui. Gosto de ouvir a senhora falar.

— Você me ouve como se eu ainda importasse.

— A senhora importa.

Ela sorriu com os olhos.

— Já pensou em escrever?

David hesitou.

— Já... mas nunca levei a sério.

— Talvez porque nunca teve alguém dizendo que o que você pensa vale ser lido.

Ele não respondeu. Apenas olhou para a janela, onde a cortina dançava com o vento.

> Pela primeira vez em muito tempo, sentiu vontade de escrever sem esconder o que sente.

Não para os outros. Para ele mesmo.

Antes de ir embora, dona Irene o acompanhou até o portão.

Na calçada, ela apontou para uma muda de planta num vaso pequeno.

— Leva essa aqui. É da mesma espécie da minha samambaia. Assim uma parte daqui vai com você.

David pegou o vaso como se segurasse algo frágil demais para o mundo.

— Obrigado.

— Só me promete uma coisa?

— Claro.

— Não desaparece.

Ele assentiu.

> E naquele sábado, David voltou pra casa com uma planta nova nas mãos —

e algo vivo dentro do peito que não sabia mais nomear como silêncio.